Artigo/Renata Amaral: O que esperar do comércio internacional para América Latina e Caribe
Por Renata Amaral*
Previsões recentes para comércio e investimento global, e especificamente para a América Latina e o Caribe, não são das mais otimistas. De acordo com números recentes da Organização Mundial do Comércio (OMC), espera-se que o comércio global permaneça lento em 2023 em razão dos múltiplos choques na economia global nos últimos anos. Dentre os fatores que explicam a previsão negativa para o comércio internacional para o próximo ano está o fato de que ainda se espera que as importações sofram uma desaceleração nas economias desenvolvidas. Para o próximo ano os economistas da organização preveem um crescimento global de 1%, bem abaixo dos 3,4% originalmente estimados.
Os fluxos globais de investimento estrangeiro direto (IED) em 2021 foram de US$ 1,58 trilhão, um aumento de 64% em relação ao nível excepcionalmente baixo de 2020, de acordo com dados atuais da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD no acrônimo em inglês). No entanto, o ambiente global para negócios internacionais e investimentos transfronteiriços mudou drasticamente em 2022. Para além dos efeitos prolongados da pandemia, a guerra na Ucrânia está causando uma crise tripla de alimentos, combustível e finanças em muitos países ao redor do mundo. A incerteza resultante do investidor pode exercer uma pressão negativa significativa sobre o IED global em 2022.
Na Europa os preços da energia não param de subir desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia. O efeito são os sucessivos arrochos nos gastos domésticos e o aumento do preço de produtos manufaturados. A China ainda sofre com os bloqueios relacionados à COVID-19, e a fraca demanda externa não ajuda na recomposição das cadeias produtivas que passam pelo. E aqui nos Estados Unidos, somando-se aos desafios impostos pelo cenário internacional, a pressão sobre a política monetária vem há meses afetando os gastos das famílias.
América Latina e Caribe
América Latina e Caribe estão entre as regiões com crescente aumento nos preços das importações relacionado a combustíveis, comida e fertilizantes. A região pede atenção para o risco cada vez maior do crescimento da insegurança alimentar nos países. De acordo com dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) da ONU, espera-se a intensificação da desaceleração da economia na América Latina e no Caribe, com crescimento de 1,4% em 2023 em razão de restrições significativas, tanto no ambiente internacional quanto nacional.
Internamente nos países, o aumento da inflação levou os bancos centrais da região a aumentar os juros e comprimir a economia. Ainda que se espere que esse processo suavize ou mesmo termine em 2023, os efeitos das políticas restritivas nos investimentos e no consumo continuarão a afetar a economia no próximo ano. Em geral, os países da região continuarão confrontando um ambiente complexo para política fiscal e monetária.
Além disso, segundo a CEPAL, soma-se aos desafios internos dos países da América Latina e do Caribe a questão de que os países ainda precisam enfrentar um cenário internacional extremamente desfavorável, com previsão de desaceleração no comércio de bens e serviços, juros mais altos, e menos liquidez global.
Pelo lado positivo, de acordo com dados do Relatório de Investimento Global da UNTACD deste ano, em 2021 o IED na América Latina e no Caribe aumentou 56%, para US$ 134 bilhões, sustentado por fortes entradas em setores-alvo tradicionais, como manufatura automotiva, serviços financeiros e de seguros e fornecimento de eletricidade, e impulsionado por investimentos recordes em informações e serviços de comunicação em toda a região. A maioria das economias da região viu os fluxos de entrada se recuperarem, com apenas algumas experimentando novas quedas causadas por crises econômicas induzidas pela pandemia.
Vale lembrar que na Cúpula das Américas, organizada pelos EUA em junho deste ano, a administração Biden anunciou um plano econômico para a América Latina e o Caribe: A Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica (Americas Partnership for Economic Prosperity). Tendo como base a arquitetura dos acordos comerciais dos EUA na região, a Parceria das Américas enfatiza a necessidade de tornar as cadeias de abastecimento dos EUA e da região mais resistentes a choques externos. Na prática, pouco aconteceu desde então.
Restrição ao comércio não é a resposta
No cenário internacional, embora restrições ao comércio possam ser tentadoras para enfrentar a vulnerabilidade das cadeias produtivas que foram expostas sobretudo durante a pandemia e a guerra iniciada neste ano, um desmantelamento de cadeias globais de valor apenas aumenta a pressão inflacionária.
As lideranças do FMI e da OMC alertaram na terça-feira, 28 de novembro, contra o impacto negativo da desglobalização. Dividir a economia global em dois blocos comerciais pode ter efeitos impactantes e, de acordo com dados da OMC, reduziria o produto interno bruto global em 5% no longo prazo. Com efeito, restringir comércio, aumentar o protecionismo, dissociar progressivamente as cadeias de suprimentos custará muito caro para o mundo.
A crescente competição geopolítica dos EUA com a China e as cadeias de fornecimento ressonantes provocadas pelos contínuos bloqueios do governo chinês revigoraram os apelos à “nearshoring” em regiões como América Latina e Caribe. Note-se, porém, que embora haja uma previsão otimista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) de que o “nearshoring” poderia adicionar US$ 78 bilhões anuais em exportações adicionais de bens e serviços na América Latina e no Caribe no curto e médio prazo, com oportunidades para ganhos rápidos na indústria automobilística, têxtil, farmacêutica, e energias renováveis, por exemplo, resultados positivos concretos ainda estão por serem vistos.
2023 continuará a ser um ano desafiador para comércio e investimento ao redor do mundo e para a nossa região, mas cada vez menos a resposta parece ser a restrição de comércio e as alianças apenas com os países amigos. Respostas unilaterais, securitização do comércio e amplo aumento de subsídios para produção e exportação não são respostas eficientes. A expressão “desglobalização” parece estar silenciosamente saindo de moda. Como já disse antes neste espaço, problemas globais pedem respostas globais coordenadas.
Renata Amaral é Advogada, Consultora Sênior em Comércio Global e Doutora em Comércio Internacional. Está baseada em Washington/DC e é Professora do Washington College of Law, da American University. Escreve quinzenalmente para o Broadcast.
Os artigos publicados no Broadcast expressam as opiniões e visões de seus autores
Broadcast+
No comment yet, add your voice below!