Artigo/Renata Amaral: o que esperar do novo governo na política externa e de comércio

Artigo/Renata Amaral: o que esperar do novo governo na política externa e de comércio

Por Renata Amaral*

Sem dúvida as perguntas que mais recebi aqui em Washington nas últimas semanas foram: se Lula ganhar, você acha que a relação com os Estados Unidos muda? E os acordos de comércio internacional? E a acessão à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)? E o multilateralismo? E a Amazônia?

Política externa não é dos temas mais populares para grande parte dos eleitores em uma campanha eleitoral, mas é fundamental para a manutenção e construção de alianças que, em última instância, podem garantir investimentos externos no país. Pelos tantos questionamentos, e com a confirmação da vitória do Lula no dia 30 de outubro, resolvi me propor a tentar responder a algumas perguntas que tenho neste artigo de forma pragmática, levando em conta o histórico de governos anteriores do presidente eleito Lula, bem como o atual cenário internacional que ele enfrentará.

O Brasil no mundo

O Brasil que Lula herdará em 01 de janeiro de 2023 é muito diferente daquele de 2003. O mundo é muito diferente daquele de vinte anos atrás.

Há vinte anos existia no mundo uma euforia em relação à globalização, as negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) estavam muito ativas – era o início da Rodada Doha -, a crise climática não estava tão preocupante e o mundo não estava tão polarizado como hoje.

O que se pode esperar pragmaticamente de uma nova administração do presidente eleito é uma política externa muito mais atuante e com mais relevância no âmbito das decisões do governo. O plano de governo de Lula fala da defesa da participação ativa do Brasil em foros multilaterais, como a ONU, e o fortalecimento das relações regionais (América Latina e Caribe), mais foco para a relação Sul-Sul e reengajamento do Brasil no Mercosul, Unasul, Celac e Brics. Vale notar que iniciativas de natureza política na região da América do Sul, América Latina e Caribe foram esvaziadas durante os últimos quatro anos.

Durante toda a campanha, Lula defendeu a reformulação de instituições do sistema internacional, atento às transformações do mundo nos últimos anos, às novas crises e à nova configuração geopolítica de um mundo com a China muito fortalecida. Lula entende a importância de reposicionar o Brasil no mundo.

Espera-se que, além de comparecer a COP-27 nos próximos dias, Lula faça um giro por países de interesse antes mesmo da posse em janeiro de 2023. O aceno da comunidade internacional para o presidente eleito foi massivo e extremamente positivo desde a confirmação dos resultados das urnas. Lula deve fortalecer o Itamaraty e corresponder ao que se espera do Brasil como liderança em negociações internacionais.

Brasil, EUA e China

A transição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para Lula foi das mais exemplares que o país já teve. Ambos promoveram o mais intenso esforço cooperativo de transição presidencial democrática no Brasil contemporâneo, conforme relata Matias Spektor, autor do livro “18 dias” (Editora Objetiva, 2014).

Lula teve uma ótima relação com o presidente republicano Bush, como também com o presidente democrata Barack Obama. Obama era fã declarado de Lula. Bolsonaro tem uma boa relação pessoal com o antigo presidente norte-americano Donald Trump, e manteve cordialidade com o presidente Biden.

Em termos técnicos, as equipes de ambos os governos sempre mantiveram a continuidade do trabalho, independentemente das trocas de governo. Diálogos comerciais, missões comerciais, grupos de trabalho técnicos de ambos os países sempre se mantiveram independentemente de orientações políticas.

Claro que um bom relacionamento dos chefes de Estado ajuda a incrementar e dar mais relevância para pautas bilaterais. Joe Biden foi dos primeiros chefes de Estado a parabenizar e reconhecer publicamente a vitória da Lula. Espera-se a visita de Lula aqui em Washington em 2023. Pelo menos pelos próximos dois anos a perspectiva de alinhamento entre ambos parece bastante promissora.

Importa observar ainda que a atual relação entre EUA e China é muito diferente daquela de vinte anos atrás. A atual rivalidade entre Washington e Pequim pode representar um desafio para a nova administração Lula. Nos seus primeiros dois mandatos, Lula foi habilidoso em manter uma relação pragmática com os dois países, importantíssimos parceiros comerciais do Brasil. Foi durante seu governo, em 2009, que a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil.

Em seu discurso pós-vitória, Lula manifestou o desejo de “retomar nossas parcerias com os Estados Unidos e a União Europeia em novas bases”, ao passo em que falou sobre fortalecer os Brics – aliança formada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Sustentabilidade: crise climática e energia limpa

O presidente eleito preza pela pauta de sustentabilidade e deve colocá-la no centro das suas políticas públicas domésticas e em âmbito internacional. O convite e a ida de Lula para a COP-27 para encontrar chefes de Estado como Joe Biden e líderes europeus está causando euforia, indica a volta efetiva do Brasil para a mesa de negociações sobre esses temas, e o protagonismo que o meio ambiente deve ganhar bastante espaço na agenda de política externa do próximo governo.

Foi nos dois primeiros mandatos de Lula que o Brasil consolidou uma posição de destaque nas conferências climáticas internacionais, que visam implementar ações globais de contenção do aquecimento global. Em 2008 aconteceu implementação do Fundo Amazônia, fruto de negociações com o Brasil, com dinheiro da Noruega e da Alemanha para estimular projetos de combate ao desmatamento e uso sustentável da floresta.

Sustentabilidade e a crise climática é a espinha dorsal das negociações internacionais dos grandes players e parceiros comerciais do Brasil. Ignorar esse tema, implementar política públicas duvidosas, não dar respostas objetivas sobre o desmatamento da Amazônia e vender uma imagem distorcida do Brasil para o exterior custou muito para a imagem do país. Não à toa a União Europeia não seguiu com a ratificação do acordo de comércio com o Mercosul, assinado em 2019 após mais de vinte anos de negociação.

No cenário atual, o Brasil tem a chance de se posicionar como um dos grandes fornecedores de energia limpa para o mundo. Há oportunidades reais de relações comerciais robustas que antes não existiam. Na América Latina, o Brasil e o Chile são líderes em termos de produção de energia renovável a baixo custo. O Brasil pode ensinar muito sobre a sua matriz energética sustentável para o mundo, e ser grande fornecedor de energia limpa para países da Europa e da Ásia, por exemplo.

OCDE e Multilateralismo

Lula sempre foi um multilateralista, e organizações internacionais sempre foram respeitadas pelo presidente eleito. Isso não deve mudar.

Talvez um tema mais delicado neste cenário seja o processo de acessão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esse tema foi prioridade para os governos Temer e Bolsonaro, mas pouco se falou sobre isso até agora pela equipe de transição. Bem verdade é que os reforços que Lula deve dar à área ambiental deve amenizar os questionamentos e o bombardeio ao Brasil nesse assunto. A ida de Lula à COP-27 ajuda aqui também. Porém, o tradicional governo petista do passado nunca demonstrou entusiasmo com a OCDE.

Atualmente falta ao Brasil assinar o acordo de adesão aos Códigos de Liberalização de Movimentos de Capital e de Transações Invisíveis, principais instrumentos da OCDE na área econômica e obrigatórios para os membros. Esperava-se que esse processo de assinatura seria concluído ainda neste ano, mas isso possivelmente dependerá agora de uma sinalização positiva da equipe de transição.

Entrar para a OCDE ajuda o Brasil nas reformas internas que precisa fazer, relacionadas sobretudo ao custo Brasil, mas não somente. Ademais, torna o país, que já tem assento no G-20 por exemplo, ainda mais relevante na governança global.

Renata Amaral é Advogada, Consultora Sênior em Comércio Global e Doutora em Comércio Internacional. Está baseada em Washington/DC e é Professora do Washington College of Law, da American University. Escreve quinzenalmente para o Broadcast.

Os artigos publicados no Broadcast expressam as opiniões e visões de seus autores
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